[Influências gritantes neste texto (porque, obviamente, antes, já eram influências gritantes para a construção do meu próprio pensamento teórico - a ser linkado com o meu pensamento de vivências): Sigmundo Freud [obra completa, pai da psicanálise, etc, bla], Jacques Lacan e Contardo Calligaris [que vira e mexe volta pra essa temática, tendo feito isso numa coluna recente da Folha de São Paulo, chamada "Casamentos possíveis" (google it, preguiça, vale a pena) e em muitos outros textos da sua obra]. Isto posto, tendo agradecido e dado referencias bibliograficas e ovacionados as fontes e os mestres posso prosseguir e escrever em paz, enfim, aleluia. ps. o que eu não gosto de textos que apelam pra a teoria é que eu nunca posso me responsabilizar de que, num texto no meu blog, eu não vou meter minha opinião ou minha leitura no meio da teoria, ao invés de apenas repassa-la com a sabedoria universal dos grandes teóricos que me antecederam. ZzzZZzZzzz. foda-se, o blog é meu e eu escrevo o que eu quiser.]
Para falar em discurso psicanalítico, a gente tem que assumir o discurso do desejo, da pulsão. Junguianamente falando, o que estamos discutindo é a energia que nos move. Psicanaliticamente, falaremos de desejo, pulsão, libido, erotização (não banalizem, vamos além do óbvio, por gentileza - é a energia do movimento, do desejo e não o sexo e pronto, ficaadica) como coisas que nos fazem caminhar, fluir, prosseguir. Um corpo inerte - embora vivo - é o de um sujeito sem desejo. Desejar é mover-se. Embora, contudo, sejamos (quase) todos seres inseridos na falta, através de um processo de castração que nos introduz em um outro mundo de sujeito faltante e portanto, também, numa outra possibilidade de relação com nossos desejos. Nos falta e desejamos e ainda assim, sempre continuaremos faltantes. Complicado, né? Mas onde esse bolo doido de conceitos e conteúdos pragmáticos vai dar? É que, na vida, não basta desejar - desejar, desejaremos muito, porque achamos que culturalmente é mais saudável se desejarmos (exemplos clássicos: nem todo mundo que casa queria casar, nem todo mundo que tem filhos queria de fato ter filhos, nem todo mundo que se diz heterosexual é de fato heterosexual mesmo e etc), porque inconsciente somos movidos a ou por qualquer outra razão.
O caso é - embora nem todos os desejos se realizem - até que ponto estamos de fato IMPLICADOS com nosso desejo? Posso ser gordinha e desejar ser magra - mas pra me implicar com esse desejo, é preciso que eu malhe ou faça dieta ou tratamentos estéticos ou tudo isso junto - apenas o meu discurso desejante de ser magra não me emagrecerá, é preciso assumir um compromisso com o meu desejo. Posso ser sedentária e desejar me tornar alpinista - mas só estarei implicada com o meu desejo quando for fazer treinamentos,comprar equipamentos, dormir em montanhas geladas, abdicar da minha rotina e de fato, subir pelas paredes (ou melhor, montanhas.). Posso ser casada e desejar ser solteira e devoradora de homens - mas só estarei me implicando com meu desejo quando pedir o divórcio, sair pra caçar, fizer sexo com todos os homens pelos quais eu me sentir atraída, conseguir lidar com as cobranças da minha família e da sociedade e com as consequências da minha postura. Ou seja, entre o desejo e a implicação várias vezes o que existe é abismo. Medo de correr riscos, medo do que vão pensar, medo de como vão reagir, medo de fracassar, medo de perceber que não era bem isso que se queria, medo de assumir as consequências, medo de ser corajoso. Medo, medo, medo. E mais medo ainda. Mas, se a gordinha quer ser magra, porque não é? Se o cara quer ser alpinista, porque não é? Se a mãe de família quer ser sexy lady, porque não é? É só por medo mesmo?
Esse é o ponto principal onde eu queria chegar: será que essas pessoas queriam mesmo? Uma coisa é um desejo plantado, outra coisa é um desejo verdadeiro. Um monte de gente sobe o Everest - ou seja, hoje em dia já é algo até mais difundido, mas, mais gente ainda trabalha sentadinho na frente do PC e vai até o cinema para ver as grandes aventuras - porque assim é mais fácil, é mais cômodo, porque assim sabemos como pagar as contas no final do mês, porque desejamos segurança, porque queremos ter dinheiro quando nos aposentarmos, porque queremos estar vivos, enfim, motivos mil e variados - mas, ainda assim, muita gente vai pra análise pra chorar esses desejos não realizados, e, veja só, para culpar algum outro pela não realização do seu desejo!
"Eu queria ser bailarina, mas aí, porque meu marido foi convidado pra trabalhar em Manaus, eu tive que abdicar disso" - já disse Calligaris mil vezes - será que essa mulher, viveria com calos, ensaiaria horas seguidas, viajaria pelo mundo sem constituir uma família sólida, faria do seu corpo seu instrumento de trabalho, encararia o desafio de fazer testes para grandes companhias, ou esse é o só o jeito dela se consolar - e de não se sentir responsável pela escolha que foi ela que fez para a vida dela? "Ah, minha vida seria melhor se eu fosse bailarina, mas agora que eu já casei, já envelheci e já não dá mais, terei que continuar vivendo essa vida meia boca e não a vida sonhada...". O marido é o estepe que faz ela não encarar os fantasmas - que faz ela não se encarar pra enxergar de perto todas as marcas da vida no rosto e na alma - porque escolhemos o que escolhemos?
A minha favorita é "estar com alguém toma a minha liberdade, não posso ficar com mais ninguém, não posso dar a louca e fazer o que eu quiser, parece uma prisão, minha vida não vai ter mais novidade, mais aventura, mais loucura - vai ser sempre essa monotonia segura de um homem já escolhido". Anham, Cláudia, senta lá, viu. Será que, se você fosse solteira e não tivesse esse homem aí, o da monotonia-segurança-prisão, você estaria no carnaval cantando 'eu quero mais é beijar na boca' e beijando todo mundo? Você aguentaria viver de pulo-em-pulo por amores efemeros, homens que não se sabe se vão ligar no dia seguinte, assumindo os ricos e doideiras que toda paixão avassaladora e entorpecente exige como condição de existência? Talvez a sua resposta seja sim. E aí você se implique no seu desejo e vá 'ser de todo mundo e todo mundo vai ser seu também'. Talvez você perceba que isso tudo é só uma amarra pra te impedir de viver o real - com seus medos e possibilidades. Talvez você perceba que existem desejos que são só fantasia e outros desejos que são os que você arcará em realidade.
Vale lembrar que, só vai pro divã, quem se implica em si mesmo. "Não sou magra porque não faço nada para isso". "Não sou alpinista porque prefiro a segurança da minha imobiliária". "Não sou uma devoradora de homens porque escolhi ser uma mulher casada". "Não sou uma bailarina porque fiz outros planos, que privilegiaram o matrimônio". "Não sou solteira e baladeira, porque no fundo, não é bem isso que eu quero - é só o medo de depois achar que eu não posso mais querer nenhuma outra coisa, porque vi/vivi relacionamentos que eram prisão e cerceamento". Só a partir destas constatações de implicação é que se pode prosseguir no caminho de entender o porque de algumas motivações para determinadas decisões. Só pessoas que se entendem como agentes de suas vidas se analisam. Só pessoas que se permitem ser autoras da sua própria história são existencialistas quanto a razão de suas escolhas e não fazem do outro muleta emocional ou 'lugar de repouso' para suas frustrações pessoais. Só pessoas que sabem o que escolheram, saber escolher e sabem que sempre podem fazer novas escolhas.
Posso admitir?
ResponderExcluirEsse texto me fez pensar, quase que de forma global, na minha vida!
E sentei bonitinho ao ler "Anham, Cláudia, senta lá".
Ser sujeito desejante é bem fácil, mas se implicar e assumir esse desejo é a parte mais difícil.
Já dizia o queridão Freud quando começou a discutir sobre cultura, sociedade e sobre nós, neuróticos, em Totem e Tabu: "O medo é maior que o desejo". Deixo o meu desejo de 'repudiar' Freud para ovacioná-lo por essa afirmação.
Eu, por exemplo, sou a explicação viva pra contar sobre essas historinhas, mas ando tentando descobrir, realmente, quais são os meus desejos e me arriscar a tentar realizá-los. Para, enfim, deixar de viver na fantasia e passar a assumir as consequências do mundo real.
Adorei o texto, minha Bê!
beijos :*