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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Maria del bairro, eu sou.

Na primeira cena de Vicky Cristina Barcelona, vemos duas moças entrando num táxi, uma loira e uma morena. A medida que o narrador vai nos explicando quem é quem, o foco da câmera se fixa na personagem enquanto ele traça os perfis. O que Vicky, Rebeca Hall, a morena, quer da vida é definido: estabilidade, segurança e esforços para manter sua vida numa rotina cheia de projetos já traçados, ela já tem seu próprio roteiro e não pode duvidar dele (mas isso só descobrimos depois) – suas roupas são sérias, seu tom é sério e ela está viajando para estudar arte, uma coisa séria. Depois a câmera foca em Scarlett Johanson, a loira, e vai logo nos dizendo: esta é Cristina, uma atriz que basicamente se define como alguém que não sabe o que procura e nem sabe o quer, mas basicamente sabe o que não quer: ela não quer monotonia. Aventura – romântica, profissional, geográfica – transformação e descoberta são com ela, como ficará a cada cena mais evidente. Destemida, eu diria. Oposta a Vicky. Depois dessa cena, em que cada personagem fica claro, vem a música Barcelona, de Giulia y Los Tellarinis, com um refrão em espanhol, no violão que nos convida a refletir: “por que tanto perder-se, tanto buscar-se sem encontrar-se?”
Nesse filme, falou-se muito de Penelope Cruz com sua Maria Elena, mas eu não dou a mínima, atirar em namorado, gritar em espanhol e dividir marido com outra mulher não são a minha vibe. Andar com maquiagem borrada, pintar quadros e ir pro manicômio não fazem eu me identificar. Pra a minha neurose, o bingo desse filme é Vicky, engaiolada em si mesma, sem escapatória, na vida que ela escolheu pra ela – até porque, ela não tem coragem de escolher nada diferente.
Então que, eu, aos vinte e um anos, sem emprego e/ou perspectiva de um emprego, no meio da minha crise – não posso evitar de me perguntar porque tanto perder-se, tanto buscar-se, sem encontrar-se! Não posso deixar de lado essa minha vibe de eterna luta entre Vicky e Cristina. Larguei a faculdade de jornalismo, estou no sexto semestre de psicologia agora – e com uma vontade bem grande de largar de novo, para fazer jornalismo. Sou ou não sou sensacional?! O que importa, na verdade, é que eu não tenho nenhuma coragem de largar o curso e vou engoli-lo até o final, de qualquer forma. O que faz de mim Vicky. Minha Cristina vai sonhar com outros cursos, talvez letras, talvez jornalismo, não sei bem. Minha Cristina vai querer uma vida de ganhar dinheiro na internet, de ganhar dinheiro escrevendo sobre literatura, falando sobre tendências de moda, escrevendo artigos de final de revista debatendo o comportamento humano, quem sabe até sendo cronista de jornal? Minha Vicky vai se formar em psicologia e procurar um emprego em qualquer área- inclusive na mais chata de todas, a de recursos humanos.
Minha Cristina quer uma bateria, um girl band, um rocknroll, uma cerveja, irresponsabilidade, não pensar no dia seguinte. Minha Vicky vai continuar antecedendo-se as conseqüências, conhecendo os limites, receando os riscos. “Banda é pra adolescente, cerveja dá dor de cabeça, você sabe que isso não vai ficar impune...”. Minha Cristina quer perder o fôlego, se mudar pra um apartamento lenhado e viver de amor, quer jurar amor eterno, não dormir dançando na sala, exaurir amor até a última gota, quer emoção, aventura, todo dia uma coisa diferente, sol, tesão, loucura, dúvida, medo, paranóia, ciúme, gritos, paixão. Minha Vicky chora se não ligam no dia seguinte, gosta de imaginar que amanhã ainda será amada, curte uma rotina de estabilidade e segurança, adora o clima de amizade de um relacionamento sério, acha que sair pra jantar é a melhor coisa que um casal faz e precisa de um homem bem seguro, calmo, bacana, de conversa agradável, sorriso fácil, paciência e companheirismo ao seu lado. Não sei o que eu digo pra a Cristina entender que vida loka não é a da Vicky. Não sei como faço pra a Vicky entender que arriscar a La Cristina é o sazon da vida.
Na verdade, eu sei que todo mundo é assim. Sei que todo mundo passa a vida negociando entre os lados opostos, sei que todo mundo cada hora quer uma coisa e por isso não sai decidindo nada em cima da hora, de qualquer jeito, nas coxas. Eu sei que quem namora há dez anos, já quis sair por aí com um cara novo só pra saber como é que é tudo aquilo de novo. Assim como sei que quem assume todos os desejos e fica com quem quer na hora que quer, também abraça o travesseiro querendo alguém que se saiba que amanhã na hora do café da manhã ainda estará lá. A verdade é que queremos tudo, e buscamos tudo, e nos perdemos todos e não encontramos o que queremos. A verdade é que não sabemos, todos, o que queremos – e que, alguns de nós, como bem nos lembra Vicky, ainda que descubram o que querem, não vão fazer nada para conseguir, porque isso vai contra o planejamento, contra as colunas de certezas que construímos para conseguirmos nos manter de pé.
Eu era louca pra ser repórter de jornal, há muito não sou mais. Eu era louca pra ser analista, há pouco não sou mais. Eu era romântica e queria casar, também já fiquei pelo caminho. As coisas que eu desacredito vão crescendo numa pilha de fichas que já apostei bem do lado da pilha de coisas que ainda acredito, que só decresce. E nem é isso que me incomoda na verdade – é não saber o que eu quero, exatamente. Porque, se eu soubesse que quero ser fotógrafa, e que não tenho coragem pra peitar isso, eu teria uma frustração com razão, eu poderia reclamar comigo mesma e me blasfemar. Mas quando você não sabe de nada, você não tem nada e não se poder mudar o nada.
Eu tenho vinte e um anos, queria um estágio que não fosse uma bosta, queria uma grade menos cachorra pro semestre que vem, rezo todo dia pra que meus amigos e meu namorado continuem me agüentando com todos os defeitos que eu tenho e que sei que não mudarão; e acho que preciso desesperadamente de uma cerveja. Eu tenho vinte e um anos e minha vida se parece com um dramalhão mexicano que passa no SBT, com dublagem ruim e penteados cafonas – pode ser também um sitcom humorístico bem tosco com risadas gravadas ao fundo, para que, quando a cena estiver muito ridícula, as pessoas que assistem e interpretem se forcem a rir ao invés de chorar. Maria Del bairro eu sou. Ou the new adventuras of old Juliana. Nunca se sabe.


pS. Sobre o filme em si, eu já escrevi, tá aqui ó: (Não gosto de quase nada que escrevo, mas como gostei desse filme, o texto captou bem como eu me senti ao sair do cinema.)

http://conversadebotasbatidas.blogs.sapo.pt/55423.html

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