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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

"já se teve tudo e não se quer mais nada"

Confesso que não conheço quase nada de Clarice Lispector - digo isso meio sem vergonha, mas sem querer ser indie. O que conheço dela são essas frases, trechos, que são muito bons e que vejo pela internet. Sei que ela acabou virando "modinha" mas a verdade é que não conheço muito dela porque todas as vezes que tentei a ler, não consegui, por uma incapacidade minha enquanto leitora que prefere textos mais preguiçosos ou fáceis - então, meu quase não conhecimento da Clarice não é uma oposição a modinha-Clarice tentando ser modinha-não-clarice, sabe? Modinhas, de forma geral, me dão preguiça. De todo modo, o livro que li da Clarice foi "Correio Feminino" que comprei numa feira do Livro, uns anos atrás. O livro em si não é uma história mas sim um conjunto de dicas voltadas para o aspecto feminino da época: basicamente, como cuidar da casa, das roupas, da beleza, da maquaigem, de si-mesmas e dos casamentos. Até Clarice Lispector tinha sua mulherzice, vejam só. De qualquer modo, no final do livro tem alguns contos e é um deles que eu transcreverei - aos pedaços - aqui.
Porque sabe, eu não tenho saído muito. Na verdade, é por isso que eu não tenho escrito nada - não tenho ido ver, viver, sentir, pensar. Meu dia se resume entre ler livros de Agatha Christie e assistir Glee e sabe, dessa vez eu nem estou triste, muito pelo contrário até, estou conseguindo redescobrir magia em algumas coisas das quais eu estava descrente e tudo o mais, acho que é só uma vontade de ficar sozinha, de ficar em mim, de não ter que fazer coisas, obrigações, compromissos, atenções, conversas, sabe? Estou pensando em coisas boas, que me tragam uma certa quietute. Não sei, tentei aprender a tocar violão mas é tão difícil - confesso sem jeito que sou dessas que desiste de primeira, não tenho muita paciência para aprender, gosto do que já sei. Penso em aprender a cozinhar, bolos quem sabe, mas também não sei, me parece que até para aprender é preciso ter um piso inicial e é como se isso eu nunca tivesse. Estou numa espécie de retraimento. Um morar em mim. Não sei. Acho que estou justificando porque esse espaço tem estado tão em branco, tão de lado. Está tudo bem. De verdade. Acho que só preciso de um tempo. Ser minha, sabe? De qualquer modo, já falei demais. Deixa a Clarice falar - de qualquer modo, não vai o texto na íntegra, então, estou pulando paragrafos e fazendo parecer continuos, trechos que não o são de fato, quem quiser, procura o texto inteirinho. Acho que ele explica a relevância desse canto, desse blog-diário pra mim, de como chego mais perto de mim através desse distanciamento de escrever, talvez.


"Eu disse uma vez que escrever é uma maldição. Não me lembro exatamente por que disse, mas disse com sinceridade. (...)
É uma maldição porque obriga e arrasta como um vício penoso, do qual é impossível se livrar, pois nada o substitui. E é uma salvação. Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive e que nunca se entende a menos que se escreva.
Escrever é tentar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o fim o que permaneceria apenas vago e sufocador.
Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.
Pena que só sei escrever quando espontaneamente a "coisa" vem. Fico portanto à mercê do tempo. E, entre um verdadeiro escrever e outro, podem passar anos. Anos de carência. (...)
Falei em carência. Pior que carência é o súbito cansaço de tudo. É uma espécie de fartura, parece que já se teve tudo e que não se quer mais nada. Cansaço, por exemplo, dos Beatles. E cansaço também daqueles que não são os Beatles.
Cansaço inclusive de minha liberdade íntima que foi tão duramente conquistada. Cansaço de amar um homem e de repente ver que ele não merecia esse amor: ele era grosseiro, arrogante e covarde. Melhor seria o ódio.
O que me salvaria dessa impressão de fartura - é fartura ou uma liberdade que está sendo inútil? - seria a raiva. Não uma raiva amorosa, que existe. Mas a raiva simples e violenta. Quanto mais violenta, melhor. Raiva dos que não sabem de nada. Raiva também dos inteligentes que "dizem coisas" para se mostrar. (...)
Ser gente me cansa. E também tenho raiva de sentir tanto amor inútil."


Clarice Lispector, em "Me dá licença, minha senhora.", no livro Correio Feminino.

Um comentário:

  1. Essas fases de recolhimento são boas. E super importantes.

    E o texto é muito bonito!

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