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quinta-feira, 13 de maio de 2010

O corpo ainda é pouco.

Uma menina lá da faculdade, do meu curso, do meu campus, se suicidou. Eu não a conhecia nem sequer de vista mas tive a oportunidade de dividir uma mesa pra um café com alguns amigos dela, pessoas que a queriam bem, que ainda estavam tentando compreender a falta, o vazio, o espaço inacabado que ela deixara. Ouvi os relatos calada - quem sou eu para falar sobre o silêncio? Mas fiquei pensando nisso.

O suícidio é uma coisa chocante por essência, escolher dar cabo na própria vida nos parece a tradução de um desespero que não sabemos nomear, um retrato da desesperança que atormenta o juízo - para onde estamos indo? chegaremos? o que fazemos com o tempo que nos é dado? Não é mesmo por isso que falar de morte nos deprime tanto? Falar de morte é falar de vida - as flores de plástico não morrem porque nunca viveram de verdade - mas as pessoas de plástico que não vivem vão morrer porque um dia nasceram. E falar sobre a morte é repensar sobre a vida e o sentido que damos a ela, se trabalhamos demais, se estamos sempre atarefados, se nos impacientamos constantemente com aqueles que amamos ou se nos cercamos de solidão. A morte é um fato imutável, mas a vida é sempre uma possibilidade infinita de ofertas daí a dificuldade em escolher em que tom vivê-la, se é que pode-se dizer que sempre poderemos escolher.

O suícidio numa faculdade de psicologia ecoa nos corredores com questões que insurgem na angústia típica de outra característica que a vida exige: nós não controlamos nada, não sabemos de nada, não resolvemos nada - embora passemos pela vida achando que somos plenamente capazes de agendar nossos acontecimentos. Como bem me disse a amiga dela "ela me ligou de manhã, bem cedo, mas eu estava dormindo, não atendi, deixei pra lá, pensei 'depois eu ligo pra ela' só que não tem depois. eu não tive depois, sabe?"

Vamos todos os dias a faculdade, discutimos teorias, aprendendos farmacologia, diagnósticos e técnicas. Achamos que entendemos o funcionamento da mente alheia (vamos convir que esse é um lugar muito tentador para ocupar, o de conhecedor), que sabemos premeditar o que pessoas farão ou que captamos o sentido subjetivo do outro ou que saberemos resolver os problemas dos outros. Será? Será que é possível saber tudo isso? Achamos que é isso que faremos com as pessoas que nos chegarem em busca de escuta e auxílio? Vamos sacar tudo e resolver seus problemas? Isso não existe. Cada um resolve suas próprias questões, somos meros facilitadores, auxiliares de processo, assistentes de execução, revisores finais, tão humanos e falíveis, capazes de não perceber os sinais enviados pelo outro e até mesmo de não ouvir o que claramente é dito. É difícil sair de nós mesmos para analisar a perspectiva de outra pessoa - é um fato cultural, social, histório, biológico, sei lá e não nos iludamos com a ideia de que um simples diploma muda isso. Não muda.

A morte me assusta muito e eu até me embaraço diante da minha bobeira diante dela. Exemplificando: se alguma amiga minha moresse, a minha primeira vontade seria ligar pra ela pra compartilhar como eu me senti perante a morte dela, para saber como ela se sentiu em mais um fato que compôs a nossa história. Só que, dessa vez, ninguém me atenderia. A morte é o silêncio initerrupto do outro lado. A morte me lembra que preciso falar, falar, falar antes do silêncio. O tempo é curto - o corpo ainda é pouco - mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma a vida não para.

Que sentido eu dou a ela enquanto corro? Será que dou?


Um comentário:

  1. Julianaaaaa, que bonito isso que vc escreveu!!!
    Nossa!!
    Eu tava mesmo um dia desses conversando com uma amiga sobre morte e foi um papo delicioso porque falamos do pavor que temos da ausÊncia, do silÊncio que a morte provoca. E ninguém parece muito disposto a encarar essa realidade.
    Amo esse música do Gil. Assisti ao BandaDois e essa múscia foi um momento especial desse show.

    Fiquei fã do seu blog.
    bjo

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